terça-feira, julho 04, 2006

Para ti, que contemplas antes de te ver


Para mim serás sempre a mulher à janela do quadro de Dali. Ensinaste-me a contemplar a vida tal como o mar, com fascínio e humildade, querendo abraçar com o olhar essa vastidão que nos surpreende e deslumbra no mais intempestivo do existir, mas sem perder de vista a terra que me sustém.
Imagino o rosto dessa mulher. Um sorriso terno, que expressa simultaneamente gratidão e reconforto, e um olhar que sem o atraiçoar revela ansiedade e preocupação. Expressão da entrega a uma inquietação interior que se reencontra como dádiva de um existir que não se possui, porque antes de mais se dá. Um ser que antes de se ver contempla. Antes de se sentir abre-se ao horizonte, que abraça e cuida, recebendo-se apenas nesse abraçar, nesse cuidar.
Dedico-te a memória das minhas lágrimas, os meus sorrisos, as quedas e o sacudir a poeira, a força com que estendo o braço e o olhar que me volta a erguer, cada suspiro, cada arrepio, porque ser comovido é ser movido com..., e sem ti não passaria de massa inerte, que talvez fosse apta a sobreviver porque sabe devorar, mas que não sabe receber porque não sabe sentir. A ti te dedico em hino essa vitória, essa conquista do mundo por sabê-lo acolher dentro de nós. Toda a beleza e grandeza que daí resulta é um hino a ti. mulher-mundo, mãe-terra-mar-olhar.
Tão cúmplice neste sentir como ninguém, tão irmã de armas nesta batalha sem vencidos como só tu.
Só queria erguer um monumento à tua altura. Digno desse teu contemplar, tão sôfrego de ternura quanto de nuvens e céu. Poder nunca desiludir o teu olhar e vê-lo rejubilar em cada gesto.
Abraçar-te até ao eterno, aconchegar-te com um leite morno e beijar-te a testa. Boa Noite.

Luis V.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ela contempla. O acto de contemplar é próprio de quem aceita a dádiva eterna, de quem aceita, implicitamente, o silêncio da imobilidade. É fácil adivinhar-lhe as lágrimas que comungam do mesmo mar imenso que contempla da janela.
Ela contempla o infinito que não agarra, entrega-se-lhe, como a um Impossível de que se apoderou, que lentamente tornou seu e que fez partilhar das mesmas lágrimas que lhe rolam na face...
Nesse seu contemplar, tão maravilhosamente descoberto por Alguém que sabe de que é feito o Impossível, ela pode fechar os olhos serenamente e deixar que as lágrimas rolem enquanto um longo beijo terno lhe afaga a testa e a lança na imensidão do mar onde se afogam os pensamentos que partilha num pensamento cúmplice. Ela sabe de que é feito o Impossível que faz seu um Sonho guardado no peito que o leite morno adormece...

Anónimo disse...

O teu texto Luís V. (“luís vê” a imensidão do mar e sabe que o horizonte é para transpor e desvendar novas terras) é belo e profundo como todos os demais com que nos presenteias neste blogue (sejam da tua autoria, sejam citações). Amei a frase “Toda a beleza e grandeza que daí resulta é um hino a ti, mulher-mundo, mãe-terra-mar-olhar” e, à semelhança dessa fêmea retratada, ambiciono saber um dia contemplar com “um sorriso terno”…