sábado, julho 01, 2006

Insónia


O caminho para lá dos meus passos desdobra-se no vento por entre as penas. Tudo isto brilha de pôr-do-Sol mal adormecido, espraiado nos olhares que se passeiam para lá do infinito fervilhante que fulgorosamente nos fulmina. O fogo flamejante da forja em que nos fazemos.
Acordado de estrondo. Súbito sobressalto. Pleno de uma ânsia que invade pelas pontas dos pés. À espera do doce rapto de Morpheus, que teima em não vir. Respiro um ar pesado. Cheiro de pulmão incendiado, peito que se recusa a deixar de sentir.
Pálido de abismo que irrompe corpo adentro. Desafogado de ser frágil como uma agulha, mas vivo como um Deus, mais vivo que Deus. Pronunciando o seu nome beijado nas estrelas. Abraçado por saber que acolhe em seu próprio colo toda a solidão.
Impenetrável barreira para toda a embrieguez. A sede, a sede toma de invasão, arrasta, arranca arrasa, despedaça, oferece o caminho do tudo ou nada que logo se oferece como oferta irrecusável para aqueles que se querem vivos.
Recusar a diluição, o lento dissolver da consciência na efervescência do momento.
Agarra o instante com a força da eternidade, desacelera o lento cadenciar de um pêndulo que nos põe a dançar,... Há luz. Há palco, há pedaços de pó que giram em espiral, que se batem por tatuar o real, tingidos de um não-sei-quê de onírico.
Como o enlaçar de umas mãos, num amanhecer que se quer de um branco difuso, negando contornos, abolindo a definição. Madrugada de silêncio, névoa de sorriso tresmalhado por entre o cheiro a café...
Habita-me um ser mudo que me recuso a ouvir por não ter ouvido para isso, mas que me conhece desde o fundo indizível até ao amanhã, desde o vazio das cascas quebradas de um ovo deixado ao acaso, chocado pela vertigem de ser...
Luis V.

2 comentários:

Anónimo disse...

Escreves com a alma...umas escrita que eu reconheceria só pela forma como as palavras se entrelaçam no que fica seco na garganta...há uma contradição profunda, que vem de dentro...um grito surdo que não ousa sair...um cão raivoso que tudi tenta para soltar-se da trela, ao mesmo tempo que receia a vertigem da corrida em direcção à liberdade...do grito...

Anónimo disse...

Belíssima prosa poética! Possui a complexidade da inteligência, a densidade do conhecimento e a fluidez da sensibilidade… e ecoa com uma melodiosa sonoridade…